Sexta-feira, 14 de agosto de 2015
Texto: Bruno Peixoto Cordeiro
CARTA – MANIFESTO
Enviada ao Ministro Edinho Araújo da Secretaria de Portos, ao secretário-executivo Guilherme Penin da Secretaria de Portos, ao presidente da Companhia Docas Rio de Janeiro Alexandre Gadelha, ao ministro Miguel Rosseto da Secretaria Geral da Presidencia no dia 12 de agosto de 2015.
Ainda sem resposta.
O cenário sócio-econômico afirma diariamente por vias diretas ou indiretas, que a cultura é constantemente vista como necessidade de segunda mão, ou pior, como mero entretenimento para os fins de semana. Nadar na contra-corrente dessa mentalidade e ainda criar novas (e criativas) alternativas para que a cultura ocupe seu verdadeiro papel na construção de um Brasil mais consciente de sua vocação e de sua identidade tem sido o desafio da Companhia Ensaio Aberto em seus 22 anos de trajetória. Há exatos cinco anos chegamos ao Porto do Rio. O termo Porto Maravilha era algo que se falava apenas nos círculos políticos e as obras que hoje transformam sua paisagem não estavam no papel. Adentramos em um Armazém 6 completamente abandonado, onde seus únicos ocupantes eram os ratos e os pombos, para iniciar o nosso projeto ARMAZÉM DA UTOPIA. Um espaço hoje consolidado no cenário cultural carioca, dedicado a realização de um tipo de teatro ao mesmo tempo popular e político, fiel a trajetória de lutas da Companhia Ensaio Aberto. E pela nossa Utopia de teatro e de Brasil passou muita gente. Cerca de 400.000 pessoas enfrentaram os perigos e a insegurança do velho Porto para logo depois enfrentarem o período conturbado de derrubada da Perimetral e da instalação do VLT para acompanhar nossos projetos e os projetos das instituições que se agregaram a nossa Utopia. Sim, outros artistas e produtores artísticos acreditaram nessa Utopia e se transformaram em parceiros fiéis desse projeto que ajuda a tirar o protagonismo (muitas vezes elitista economicamente) que o circuito restrito dos teatros, cinemas e casas de show da zona sul exercem no que concerne ao acesso do público aos bens culturais essenciais que todo cidadão tem direito. O Festival de Cinema do Rio transformou o Armazém da Utopia em sua sede. O Festival de Jazz também. Desenvolvemos inúmeros projetos de cursos gratuitos de formação ou de aprimoramento profissional em áreas que vão de eletricista cênico, atuação e maquiagem entre tantas outras; além de inúmeros eventos igualmente gratuitos para os trabalhadores da zona portuária e suas famílias. O público que nos acompanha há décadas e os movimentos sociais e sindicatos que se irmanam de nossa luta por justiça social já reconhecem no Armazém da Utopia não somente a nossa sede, mas, também, o ponto de encontro onde cultura e movimentos sociais igualmente convergem.
Tudo isso corre o risco de acabar.
Em uma ação ilegal, o Píer Mauá, instituição privada com enormes fins lucrativos nada criativos, detentora por licitação dos direitos de utilização apenas do Armazém 1, mas que já anexou os Armazéns 2,3 e 4 em manobras econômicas-jurídicas-políticas nebulosas; que teve suas contas reprovadas seguidas vezes pelo Tribunal de Contas da União ( a ponto deste desaconselhar oficialmente a renovação de seus contratos );o mesmo Píer Mauá que hoje mantém o Armazém 5 jogado as traças, ratos e pombos e que,claramente motivado pela valorização econômica advinda da chegada das Olimpíadas e do fim iminente das obras do projeto Porto Maravilha, esse Píer Mauá, nos visita com uma ordem de despejo de uma imóvel pertencente a União. Sabemos ser comum entre determinados tipos de empresários interessados no lucro a qualquer preço, essa prática estranha de se tomar como privado algo que é publico. Mas também sabemos lutar pelos nossos direitos. E é isso que estamos fazendo. Irmanados com setores mais progressistas do executivo, do legislativo e do judiciário além dos inúmeros sindicatos e movimentos sociais que analisam o caso e clamam em uníssono: O Rio quer e precisa do Armazém da Utopia. Há uma clara diferença de projetos. Mas somente um exercita no dia a dia princípios bonitos de se dizer, mas difíceis de se executar como a democratização do acesso aos bens culturais, que tem nos ajudado a construir na prática, uma platéia única, completamente heterogênea, com pessoas que vem de todas as partes do Rio de Janeiro, mesclando no mesmo espaço, cidadãos da nossa cidade ainda partida que raramente se encontram em outro espaço destinado a cultura. Mas que se encontram aqui.
É esse projeto que o Píer Mauá quer abortar.
Além dos projetos futuros que já estão em captação para o ano de 2016. Inúmeros projetos culturais e populares concebidos para celebrar a chegada oficial do Porto Maravilha no cenário de nossa cidade maravilhosa. Projetos como o retorno do espetáculo SACCO E VANZETTI, o ANO BRECHT – QUE TEMPOS SÃO ESSES? , relembrando os 60 anos de morte de um dos artistas mais revolucionários do fazer teatral com oficinas, seminários, leituras e exibições de filmes e documentários, a montagem de A EXCEÇÃO E A REGRA do mesmo autor, as oficinas gratuitas de maquiagem cênica, adereços de carnaval, DJ e teatro, o ponto de cultura PORTO ABERTO – MEMÓRIA VIVA, o projeto TEATRO DOS TRABALHADORES e a montagem do espetáculo GREGÓRIO, que utiliza a vida e a obra de Gregório de Matos, primeiro poeta nascido no Brasil, para pensar a formação povo brasileiro. Projetos para se colocar definitivamente o Armazém da Utopia, como único espaço cultural que tem entre suas premissas fundamentais, a de usar a cultura para unir no mesmo espaço; zona sul e periferia, centro e comunidades, ricos e pobres. O lugar onde os que sempre foram excluídos também têm vez e a mesma voz dos que vem de setores mais abastados de nossa população. É a nossa Utopia. Não é o que queremos fazer. É o que já estamos fazendo.
O Armazém da Utopia não pode fechar.
Comentários